O Brasil é o principal mercado farmacêutico da América Latina e o sexto do mundo, movimentando cerca de US$ 28,5 bilhões em 2012, de acordo com dados do IMS Health. Apesar da posição de destaque, o país produz somente cerca de 1% do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) – substância responsável pelo efeito terapêutico do medicamento – em comparação ao total importado. O resultado é um déficit de US$ 2,4 bilhões neste segmento (dados de 2010).
Visando conhecer o setor farmoquímico nacional, um grupo de pesquisadores da Fiocruz traçou um minucioso mapeamento das empresas, sua capacitação técnico-operacional e capacidade de investimento, além do diagnóstico para este segmento industrial. Os dados poderão ser utilizados para subsidiar o governo federal na implementação de políticas industriais que visem ao fortalecimento deste setor estratégico para a saúde pública.
O propósito da iniciativa foi atualizar o primeiro levantamento realizado pela Fundação, entre 2004 e 2007. Naquela ocasião, o objetivo foi verificar se o Brasil tinha condições de atender a demanda de IFAs para o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) produzir o antirretroviral Efavirenz, objeto do licenciamento compulsório em curso. A nova versão do trabalho, realizada entre 2011 e 2013 e intitulada Avaliação do setor produtivo farmoquímico nacional – capacitação tecnológica e produtiva, pode servir de base para respaldar uma série de ações governamentais, assim como ocorreu na primeira edição, sendo a principal uma política industrial para o setor, a fim de reduzir o déficit da balança comercial brasileira na área.
Recentemente, os resultados do segundo estudo foram apresentados pelo vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Jorge Bermudez, em audiências públicas realizadas em Brasília, na Câmara dos Deputados e na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com participação de empresários, gestores públicos, associações de classe e membros da academia. Dentre outros requisitos, este estudo avaliou questões como infraestrutura, recursos humanos, técnicos e financeiros e capacidade técnica. Constatou também que, enquanto a maior parte dos medicamentos consumidos no Brasil é fabricada em território nacional, apenas pequena parcela desses medicamentos é manufaturada com IFAs produzidos aqui. Fato que demonstra a fragilidade do parque industrial farmoquímico brasileiro.
Se a ideia é criar uma política industrial para o setor, é necessário conhecer sua real situação. De acordo com o farmacêutico Mário Pagotto, que participou das duas etapas do estudo, a primeira medida foi identificar o universo de empresas produtoras de fármacos no Brasil. Hoje, o país possui 36 indústrias farmoquímicas, aumento de 56% em relação a 2007, época em que apenas 23 empresas instaladas foram identificadas.
Neste cenário, permanecem os desafios a serem superados, como detectado no presente diagnóstico, ou seja,reativar a produção nacional de antibióticos (IFA), bem como consolidar o fabrico de IFAs de medicamentos para tratamento do câncer (anti-neoplásicos), investir no parque fabril para ampliar a produção de IFAs de medicamentos para o Sistema Nervoso Central (SNC), sistema cardiovascular e para doenças negligenciadas – aquelas que desproporcionalmente afetam as camadas mais pobres das populações, como a doença de Chagas ou a leishmaniose.“Em relação a princípios ativos para o SNC e cardiovasculares, há capacitação instalada para atender às especialidades, mas ainda falta ampliar este campo”, sugere Pagotto.
De acordo com os pesquisadores, para que isso ocorra, o Brasil terá de superar dificuldades apontadas pelo estudo, como captação de recursos, relacionamento com universidades, ausência de plantas farmoquímicas para a produção de antibióticos oriundos de processos biotecnológicos; presença de instalações sem certificação, limitação de escala de produção e baixa oferta de mão de obra especializada no setor farmoquímico,embora haja número suficiente de pós-graduados em áreas afins.
Política industrial
Coordenador da equipe em ambos os estudos, o assessor da Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Jorge Costa, fala sobre os avanços do Brasil nesta área desde 2007. “Esse estudo contribuiu com subsídios às políticas públicas para o setor fármaco-químico como a Portaria Interministerial 128/2008 que permitiu a contratação de serviços para fornecimento de IFA aos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais; a licença compulsória para a produção do medicamento Efavirenz; a RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) nº 57/2009, que estabeleceu o registro de IFAs para uma lista inicial de produtos estratégicos como antirretrovirais, anti-neoplásicos e imunossupressores constantes na Instrução Normativa (IN) 15/2009; as Portarias do Ministério da Saúde 978/2008 e 1284/2010, que instituíram uma lista de produtos estratégicos para o SUS; e o decreto 7.713/2012 que estabeleceu a margem de preferência nas licitações para aquisição de fármacos e medicamentos. Essas medidas governamentais convergiram para o estabelecimento das Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP)”, explica.
Segundo o pesquisador José Barros, que também integrou a equipe, apesar do cenário desafiador ainda a ser superado, esse é o melhor momento da farmoquímica nacional nos últimos 30 anos. “Isso porque, dentre outras ações, foram criadas as PDPs, que garantem o mercado para os fabricantes dos IFAs. Além disso, a atuação da Anvisa é fundamental, já que exige um produto de qualidade, o que obriga uma maior qualificação das 36 empresas fornecedoras”, ressalta Barros.
Se o crescimento do número de indústrias no setor de IFAs foi pequeno em relação a 2007, por outro lado a capacidade produtiva dos princípios ativos dobrou. “Isso se deve às compras públicas para fornecimento ao SUS. No entanto, as importações também aumentaram, ampliando, assim, o saldo negativo da balança comercial”, frisa o pesquisador. Barros informa que mesmo representando menos de 1% da produção em relação à quantidade importada, há disponibilidade para expansão. “O grande desafio é criar um mecanismo para estimular a indústria de medicamentos genéricos a comprar IFAs nacionais. Isenção de impostos e garantia de mercado são alguns estímulos, além do esforço das indústrias nacionais de produzirem os IFAs com um preço mais competitivo. O interesse político é fundamental e estratégico para isso”, recomenda Barros.